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1984: O Ano em que o Hip-Hop Conquistou o Mundo

  • Foto do escritor: ANDRE BRITO
    ANDRE BRITO
  • 28 de set.
  • 9 min de leitura

Em 1984, o Hip-Hop deixou de ser um fenômeno underground para se transformar em uma força cultural e comercial imparável. O que antes era restrito a singles e aparições esporádicas, explodiu em filmes de grande orçamento, turnês nacionais e uma presença marcante na MTV. Este foi o ano em que a indústria do rap, como a conhecemos hoje, nasceu e se consolidou.


A Gênese da Indústria do Rap Moderno

Embora 1979 tenha sido um ano crucial para o nascimento do rap, com o lançamento de músicas por gravadoras independentes, foi em 1984 que o gênero realmente se profissionalizou. No início, selos como Sugar Hill, Enjoy e Sound of New York foram pioneiros, lançando artistas que se tornariam lendas, como Grandmaster Flash e The Furious 5, The Sugar Hill Gang e The Sequence. Esses grupos lançaram as bases, mas a verdadeira virada comercial estava por vir.


Os Pioneiros dos Álbuns de Rap


Sugar Hill Gang
Sugar Hill Gang

O conceito de um álbum completo de rap era, inicialmente, uma novidade. O primeiro a surgir foi Sugar Hill Gang com um álbum do mesmo nome, em fevereiro de 1980. Este lançamento foi uma resposta direta ao sucesso estrondoso de "Rapper's Delight", a faixa que catapultou o rap para além das fronteiras de Nova York e o apresentou ao mundo. Craig Derry, da banda que acompanhava o Sugar Hill Gang, explica que a fundadora da Sugar Hill Records, Sylvia Robinson, buscava capitalizar o momento e legitimar o grupo, adicionando baladas e músicas funk ao repertório. Curiosamente, para preencher o álbum, vocais de Derry e da banda Positive Force foram atribuídos ao falecido Big Bank Hank (11/11/2014) do Sugar Hill Gang, evidenciando a percepção da época de que um álbum inteiro de rap era algo impensável.



Kurtis Blow
Kurtis Blow

Sete meses depois, em setembro de 1980, Kurtis Blow lançou seu álbum de estreia, solidificando sua posição como a primeira estrela solo do rap e o primeiro rapper a assinar com uma grande gravadora, a Mercury/Polygram. Seu álbum capitalizou o sucesso de seu hit "The Breaks" e, assim como o Sugar Hill Gang, misturou faixas de festa com baladas cantadas pelo próprio Blow. No entanto, o álbum de Blow demonstrou uma maturidade lírica maior, abordando questões sociais em músicas como "Hard Times" (que seria regravada pelo Run-D.M.C. em 1984) e "Throughout Your Years", mostrando que o rap tinha potencial para ir além das festas.


A Primeira Turnê Nacional de Rap


Primeira Turnê Nacional de Rap
Primeira Turnê Nacional de Rap

Sylvia Robinson, da Sugar Hill Records, não era apenas uma visionária musical, mas também uma executiva experiente com conexões na indústria. Sua influência foi fundamental para levar os artistas de rap a um público mais amplo. Graças ao sucesso de grupos como Sugar Hill Gang e Grandmaster Flash & The Furious 5, os artistas da Sugar Hill Records começaram a fazer turnês pelo país. Inicialmente, eles abriam shows para bandas de R&B e funk renomadas, como Cameo, Parliament Funkadelic, The Barkays e TS Monk.


Eventualmente, essas apresentações evoluíram para as Sugar Hill Rappers Conventions, que fizeram história ao se tornarem as primeiras turnês exclusivamente de rap. Essas turnês não apenas levaram a música para novas audiências, mas também ajudaram a solidificar a identidade do rap como um gênero musical viável e com poder de atração em nível nacional, pavimentando o caminho para futuras gerações de artistas e turnês de grande escala.


A Mensagem: O Rap Ganha Consciência Social

Em 1982, o single "The Message" de Grandmaster Flash e The Furious 5, com a participação do falecido Duke Bootee, marcou um ponto de virada irreversível para o rap. Até então, o gênero era predominantemente focado em festas e celebrações. "The Message" mudou essa percepção ao mergulhar profundamente nos efeitos da recessão econômica dos anos 80, retratando a dura realidade dos pobres e desamparados. A crueza e a veracidade da letra eram inéditas na música popular, forçando a indústria a reconhecer o potencial do rap como uma voz para questões sociais.



Grandmaster Flash & The Furious Five – The Message
Grandmaster Flash & The Furious Five – The Message

Rahiem, membro do Furious 5, relembra que o álbum "The Message" só começou a ser produzido um ano após o lançamento do single, o que pode ter limitado seu impacto comercial. No entanto, o álbum se tornou o mais próximo que o rap havia chegado de um trabalho conceitual completo. Faixas como "It's A Shame" continuaram o comentário social, e a capa do álbum, que mostrava o grupo nas ruas de Nova York, reforçava a autenticidade e a mensagem das músicas. Curiosamente, o álbum ainda incluía baladas como "Dreamin'", dedicada a Stevie Wonder, e "You Are", mostrando que a transição para um rap puramente focado em temas sociais ainda estava em andamento. Em 1984, a Sugar Hill Records lançou álbuns de grupos como The Crash Crew e The Treacherous Three, que eram mais compilações de sucessos anteriores, sem uma coesão temática. Mas o cenário estava prestes a mudar drasticamente.


O Hip-Hop Chega às Telas: Os Filmes Pioneiros

O ano de 1983 foi fundamental para a disseminação visual da cultura Hip-Hop, com o lançamento de filmes como Wild Style, Style Wars e Breakin' & Entering. Embora o termo "Hip-Hop" estivesse apenas começando a ser popularizado, esses filmes foram os primeiros a apresentar seus elementos – DJing, B-Boying, Graffiti e MCing – de forma coesa e autêntica. Com lançamentos limitados, eles serviram como precursores e inspirações diretas para Hollywood, que logo traria o Hip-Hop para as grandes telas.


Wild Style é considerado o filme mais autêntico do Hip-Hop, estrelando praticantes reais de cada elemento da cultura, como The Cold Crush Brothers, Busy Bee, The Rock Steady Crew e Grandmaster Flash. Ele ofereceu um vislumbre sem precedentes do universo Hip-Hop.


Style Wars, um documentário dirigido por Tony Silver e produzido por Henry Chalfant, focou no Graffiti e no Breakdancing, mas abordou todos os elementos da cultura. Partes de Style Wars foram incorporadas ao filme Beat Street no ano seguinte.


Breakin' & Entering, dirigido por Topper Carew, documentou a cena eletro e de breaking na Califórnia, apresentando artistas como Ice T, Chris The Glove, Egyptian Lover, Boogaloo Shrimp e Shabba Doo.


Beat Street
Beat Street

Em junho de 1984, Beat Street foi lançado, marcando a primeira vez que um filme de Hip-Hop com grande apoio corporativo (Orion Pictures) chegou ao público. Originado de um roteiro de Steven Hager, "The Perfect Beat", e produzido por Harry Belafonte, Beat Street foi crucial para levar o Hip-Hop e seus elementos para fora dos bairros de Nova York. Assim como Wild Style, Beat Street contou com a participação de muitos praticantes reais da cultura, como The Rock Steady Crew, The Treacherous Three e Kool Herc, além de atores como Rae Dawn Chong.


Também lançado em 1984, Breakin' (com o apoio da The Cannon Group e MGM) enfatizou o Breakdancing e introduziu a cultura a um público mainstream. Ambientado na Califórnia, o filme mostrou o estilo e o código de vestimenta da costa oeste, com estrelas como Ice T e Shabba Doo. Embora nenhum dos filmes tenha recebido críticas positivas, ambos foram cruciais para a disseminação global do Hip-Hop, pavimentando o caminho para sua aceitação e popularidade em massa.


Run-D.M.C.: A Revolução do Álbum de Rap

Em 1984, três álbuns de rap surgiram e redefiniram o cenário da indústria, estabelecendo o modelo para o álbum de rap moderno. Esses trabalhos se destacaram por não conterem baladas e por apresentarem uma sequência musical que contava uma história coesa. O rap deixava de ser um gênero impulsionado apenas por singles; o álbum de rap ganhava sua própria identidade, completa com encartes, temas e esquetes.



Run-D.M.C.
Run-D.M.C.

O álbum autointitulado do Run-D.M.C., produzido por Larry Smith, foi um divisor de águas. Impulsionado pelos inovadores singles de 1983 "It's Like That"/"Sucker MC's" e "Hard Times"/"Jam Master Jay", os fãs aguardavam ansiosamente um álbum completo com a sonoridade crua e minimalista dos "Kings from Queens". No entanto, o lendário álbum quase não aconteceu. Cory Robbins, cofundador da Profile Records, revelou que o grupo estava relutante em gravar um álbum, pois Russell Simmons, seu empresário, acreditava que álbuns de rap não vendiam. Robbins teve que lembrá-lo do contrato e da necessidade de capitalizar o sucesso dos singles. A insistência valeu a pena: o álbum se tornou o primeiro álbum de rap a ganhar disco de ouro.


Faixas como "Hollis Crew" deram continuidade à inovação de "Sucker MC's", enquanto "Wake Up" aprofundou o comentário social de "It's Like That" e "Hard Times". "Jay's Game" marcou a primeira vez que uma "música de corte de DJ" apareceu em um álbum de rap completo. Embora "Walk This Way", o dueto com o Aerosmith em 1986, seja a gravação mais conhecida do Run-D.M.C. que combinou rock e rap, a primeira incursão nesse estilo foi em "Rock Box", do próprio álbum de estreia. "Rock Box" recebeu intensa veiculação na MTV, sendo o primeiro videoclipe de rap a alcançar tal feito. Robbins explicou que a estratégia de escalar um garoto branco no vídeo, ambientado em um clube de rock predominantemente branco, foi intencional para garantir a aceitação da MTV, e funcionou.


A capa do álbum do Run-D.M.C. foi a primeira oportunidade para muitos fora da área de Nova York, Nova Jersey e Connecticut verem como o grupo se parecia. O estilo streetwear B-Boy que Run e D.M.C. exibiam na contracapa do disco ofereceu um vislumbre da moda hip-hop de Nova York para um público mais amplo. O Run-D.M.C. estabeleceu um padrão que mudou para sempre o jogo, consolidando o rap como um gênero musical formidável.


Escape: A Consolidação do Modelo de Álbum

Escape, o segundo álbum do trio de Brooklyn Whodini, também produzido por Larry Smith, solidificou ainda mais o modelo para o álbum de rap. Assim como "The Message" havia feito dois anos antes, a capa de "Escape" estabeleceu a imagem de Ecstacy e Jalil. O estilo de vestimenta do Whodini, juntamente com sua música e temática, conseguiu atrair tanto o público adulto que não era fã de rap quanto a juventude, mantendo-se autêntico.



"Escape"
"Escape"

"Escape" apresentou faixas de "rock the mic" como "5 Minutes of Funk", além de mensagens com temática adulta, como "Friends", a faixa-título "Escape" e "Big Mouth". "Featuring Grandmaster Dee" foi a "faixa de DJ" que logo se tornaria um requisito em álbuns de rap completos, e "We Are Whodini" funcionou como uma autobiografia musical. Em outubro de 1985, Russell Simmons, empresário do Whodini, revelou à revista Right On! que "Escape" foi o primeiro álbum de rap a ganhar platina, vendendo um milhão de cópias, um feito que Simmons reafirmou recentemente em suas redes sociais.


Fat Boys: Humor e Sucesso

Originalmente conhecidos como Disco 3, os Fat Boys eram compostos por Prince Markie Dee, Kool Rock Ski e Buffy The Human Beatbox. Após o sucesso de seu single de estreia "Fat Boys"/"The Human Beat Box", o grupo mudou seu nome para The Fat Boys. Seu álbum de estreia autointitulado contou com a produção de seu mentor Kurtis Blow, vocais de Alyson Williams, piano do falecido Donald Blackman e guitarra e baixo de Larry Smith e Davy DMX. A estreia repleta de estrelas foi um sucesso imediato e ainda é considerada um dos melhores álbuns de rap.


Fat Boys
Fat Boys

Os singles de sucesso na Billboard, "Jailhouse Rap" e "Can You Feel It", carregavam a assinatura "Kurtis Blow sound", caracterizada por um piano marcante e um baixo saltitante. Já "Stick 'Em" e "In The Place To Be" destacaram o melhor de cada membro do grupo, incluindo o scratching de Buffy. "Don't You Dog Me" também é um dos pontos altos do álbum. "Fat Boys" alcançou a 48ª posição na Billboard 200 e a 6ª posição na parada Top R&B/Hip-Hop Album, solidificando o lugar do grupo na história do rap com seu estilo único e bem-humorado.


A Turnê que Definiu uma Era


Swatch Watch New York City Fresh Festival
Swatch Watch New York City Fresh Festival

Enquanto as Sugar Hill Rappers Conventions foram as primeiras turnês nacionais de rap, o "Fresh Fest", patrocinado pela relojoaria suíça Swatch, elevou o conceito a um novo patamar. Esta foi a primeira turnê de rap a ter um patrocínio corporativo significativo, o que a ajudou a alcançar um público ainda maior e a solidificar a presença do Hip-Hop no mainstream. A programação do Fresh Festival original era estelar, contando com nomes como Run-D.M.C., Whodini, The Fat Boys, Kurtis Blow e Newcleus.


Além dos artistas musicais, a turnê também destacou dançarinos como The Dynamic Breakers, The Dynamic Dolls, Jermaine Dupri e Chad, que apresentaram a cultura Hip-Hop em sua totalidade para um público massivo. O sucesso dos álbuns lançados por Run-D.M.C., Whodini e The Fat Boys em 1984 alimentou a popularidade da turnê, e, por sua vez, a exposição da turnê impulsionou as vendas dos álbuns. O Fresh Festival continuou por cinco anos, lotando arenas em mais de 40 cidades anualmente.


Os sucessos do The Fresh Festival, os álbuns inovadores lançados em 1984 (incluindo os dois volumes da trilha sonora de Beat Street) e os filmes que levaram o Hip-Hop para as telas de cinema, fizeram de 1984 um ano verdadeiramente seminal. Foi neste período que o Hip-Hop deixou de ser um fenômeno cultural emergente para se tornar uma indústria multibilionária. Aquele ano preparou o terreno para a expansão global do gênero, mostrando que o rap não era apenas uma moda passageira, mas uma força cultural duradoura e influente que continuaria a moldar a música, a moda e a sociedade por décadas.

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